No evento realizado em Brasília, no final de julho, motociclistas pilotando sem garupa entram sem pagar, em qualquer horário. Um aparente benefício que, na verdade, mascara uma estratégia comercial cuidadosamente montada para transformar sua presença - e principalmente sua moto - em produto de exposição gratuita. O evento não precisa contratar cenografia ou pagar atrações visuais: as motos dos próprios motociclistas são o espetáculo.
Enquanto os motociclistas desfilam e exibem espontaneamente suas máquinas, criando um cenário visual de tirar o fôlego, sua presença é transformada em vitrine gratuita, sem oferecer retorno financeiro ou reconhecimento significativo. Os organizadores lucram com ingressos caríssimos cobrados do público em geral, que paga para “ver as motos” e consumir a atmosfera fabricada de uma cultura que ali está sendo explorada, e não celebrada.
Fornecedores de capacetes, roupas, acessórios, serviços motociclísticos e alimentos pagam uma fortuna por estandes, sabendo que os motociclistas e suas motos, atraídos como “cenário humano”, são o público-alvo ideal. As estimativas oficiais de 300 mil motos amplamente divulgadas parecem infladas, servindo mais como propaganda para atrair patrocinadores e público. Mesmo considerando os dez dias de evento, um cálculo realista sugere números bem menores, no máximo, cerca de dez mil motos por dia, compatíveis com a capacidade do espaço e a logística do evento.
A situação das garupas expõe ainda mais a lógica comercial. Embora motociclistas com garupa tenham entrada gratuita em alguns poucos horários, após esses períodos a garupa paga ingresso, como qualquer pedestre, embora com um valor próximo de 50% deste. Essa cobrança é questionável: a garupa, parte essencial da cultura motociclista, não é valorizada como o piloto, apesar de chegar na mesma moto que o evento exibe como atrativo. Por que penalizar quem compartilha a experiência da pilotagem, se a moto é o elemento central do espetáculo? O piloto entra de graça porque traz a moto; a garupa é tratada como detalhe dispensável.
O argumento utilizado de que a garupa paga para evitar 'fraudes' (troca de garupas para burlar a cobrança de ingressos), revela mais interesse em maximizar lucros do que em tratar o público motociclista com respeito. Existem formas simples, justas e inteligentes de coibir abusos, sem penalizar quem participa de boa-fé. A tecnologia e a inteligência artificial estão aí para isso.
É certo que motociclistas têm acesso a benefícios, como shows, test rides e networking com a comunidade. Mas esses atrativos não compensam a ausência de reconhecimento pelo papel fundamental que desempenham. Patrocinadores, como marcas de motos e cervejas, capitalizam o espírito de irmandade, transformando-o em narrativa publicitária, enquanto os verdadeiros protagonistas - os motociclistas - são instrumentalizados, utilizados e recompensados apenas com um “ingresso cortesia”.
Para tornar o evento mais justo, os organizadores poderiam começar pela isenção total das garupas, reconhecendo que ambos constroem a alma do festival. Mas o respeito não se limita ao acesso: descontos exclusivos em consumo (alimentos, bebidas, produtos), entre outros benefícios para quem faz o evento acontecer, são medidas mínimas de reconhecimento. Muitos reclamam das áreas de camping, por exemplo.
O respeito se constrói com ações concretas, que reconheçam que o motociclista não é figurante, é a essência do evento.