quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Uma dor e algumas decepções de uma Harleyra

A dor de uma motociclista que sobreviveu a um acidente na volta de um passeio, mas teve a infelicidade de ver seu fiel amigo respirar pela última vez e algumas decepções: Com a Justiça, com a Brasília Harley-Davidson e com os que ela considerava parceiros do HOG Brasília Chapter. 

Compartilho seu relato, com autorização expressa da autora: 

UM ANO E MEIO DEPOIS...

Hoje, 22 de novembro, fazem 18 meses que eu e Eduardo sofremos o acidente que o levou daqui. O tempo ajuda a ir curando a ferida, mas a cicatriz fica lá e não há como esquecer cada vez que se olha para ela.

Na semana passada, a ferida se abriu e o que estava aparentemente cicatrizado, sangrou de novo. Tive que enfrentar a primeira audiência do processo (sim, a primeira, um ano e meio depois) e posso afirmar que foi umas piores experiências da minha vida. 

Estar de frente com a ré, sua família e três advogados não foi fácil. Eu não entendo absolutamente nada da área judiciária e só tive conhecimento de que a audiência era pública um pouco antes do seu início. Não avisei praticamente ninguém e fui ao fórum como quem arrasta correntes, querendo que aquilo fosse um sonho ruim (do qual eu acordaria a qualquer momento) e não realidade.

Fui e primeira a falar. Contei o que sabia, inevitavelmente a emoção veio à tona, misturada com a tensão extrema do momento. 

Depois de mim, duas testemunhas foram ouvidas. Um senhor (que conduzia o carro na pista da direita e disse que precisou desviar para não bater na moto do Eduardo, já caída) descreveu os fatos de maneira muito clara, dando a entender que viu bem o que aconteceu. Uma senhora (que era carona de uma motorista que estava dois carros atrás do carro da ré) disse que eu e Eduardo conversávamos nas motos e que ele andava em zigue-zague, o que para ela provavelmente foi o motivo do acidente. Fiquei extremamente indignada quando ouvi isso, balancei a cabeça, murmurei e fui repreendida pelo juiz, a quem pedi desculpas.

Muito, muito, muito (mil vezes muito) duro ouvir essa senhora e depois a própria ré falarem coisas que não aconteceram. Não porque eu tenha visto tudo que aconteceu, mas porque existe um vídeo que por si só comprova que não foi assim... Ao final da audiência, inevitavelmente, as lágrimas voltaram e a ferida sangrou forte.

Considerando que faltaram ser interrogadas duas testemunhas as quais nosso advogado faz questão de ouvir, uma nova audiência foi agendada para 31 de janeiro de 2018. Dessa vez não devo mais depor. Talvez a pressão de falar na frente de um juiz, de um promotor, de vários advogados, da ré e de seu pai desembargador tenham me intimidado, mas estou segura de que fiz minha parte. Falei a verdade que jurei falar perante o tribunal. Procurei manter a linha de raciocínio, mesmo com a emoção tomando conta, e minha consciência está tranquila. 

Agora é aguardar as próximas etapas, ainda que a esperança em justiça diminua a cada dia no País em que vivemos.

O motociclismo foi o que me uniu ao Eduardo. E foi também o que acabou nos separando. Nossa amizade se intensificou muito quando fomos convidados a integrar a diretoria do Hog Brasília Chapter. Foram muitos passeios dos quais participamos como Road Captains. 

Num desses passeios, quando fomos entregar donativos de uma campanha às irmãs carmelitas, uma das Ladies of Harley bateu na traseira da minha moto. Por ser uma Fat Boy edição especial, o para-choque foi encomendado da fábrica em Milwaukee e levaria cerca de 90 dias para chegar. A moto teria que ficar “de  molho”, pois o seguro da Lady que bateu foi acionado para pagar o conserto. A princípio não tinha como rodar, porque a sinaleira também tinha sido quebrada. Eduardo não se conformou. Arrumou uma sinaleira de sua antiga Fat Boy e conversou com o pessoal da oficina para liberar a moto, para que eu pudesse continuar ajudando nos passeios. Lá fui eu mas, meu Deus, parecia que era um sinal... Esse para-choque chegou quando aconteceu o acidente, ou seja, teoricamente a moto deveria estar na oficina em 22 de maio de 2016... Mistérios da vida que a gente não encontra explicação.

A Brasília Harley-Davidson foi bastante eficiente na parte mecânica do ocorrido. Recolheram nossas motos imediatamente após o acidente, fizeram um diagnóstico correto do conserto e entregaram num bom prazo. Porém em outros aspectos, não posso dizer o mesmo. Muita gente, quando me encontra, pergunta porque não frequento mais os cafés ou os passeios. E eu respondo que a mágoa ainda não passou, quem sabe um dia ela passe e eu volte a estar presente.

Mágoa é diferente de tristeza. Tristeza eu senti e sinto até hoje pelo acontecimento em si, que levou meu amigo. Mágoa, eu senti pela forma que as coisas se sucederam depois.

Fiz parte da diretoria do Hog Brasília Chapter de 1º de janeiro a 22 de maio de 2016. Certamente estaria lá até 31 de dezembro, mas houve um acidente no caminho. Eu não tinha chão, eu não tinha cabeça, eu não tinha saúde. Minha moto ficou pronta em julho, mas só voltei a andar de verdade em novembro (e de lá para cá nunca mais foi igual). Achei que seria egoísmo da minha parte continuar sendo LOH Officer do jeito que eu estava e pedi ao meu diretor que entendesse e que designasse outra pessoa para continuar o trabalho, para eu poder me recuperar. Usei luvas e máscara por seis meses e não posso tomar sol no rosto até hoje, como iria poder honrar o compromisso que assumi? Estava triste, mas não via como prosseguir... Outra Lady, também da diretoria, assumiu a tarefa de terminar o mandato. Fiquei muito grata, pois o Chapter estava acima da fatalidade que tinha acontecido, o grupo não podia parar por minha causa.

Mas não achei que seria tão deixada de lado da maneira que fui. Na reunião de encerramento da gestão 2016, parece que meu nome foi citado, mas eu não fui convidada a estar lá. Teria sido gentil (1)... No quadro da diretoria, não tem foto de LOH Officer em 2016. Questionei a diretoria da Brasília Harley-Davidson sobre isso e a resposta foi de que “eu era uma desistente” e a regra não permite desistentes no quadro. Ok, então a foto do Eduardo está lá porque ele morreu e eu não estou porque “desisti”. Me desculpe diretoria da Brasília Harley-Davidson, eu sou uma sobrevivente e a Lady Cris foi uma grande parceira, então o quadro da diretoria de 2016 não merecia estar sem LOH Officer, mas merecia ter a foto de duas LOH Officer: Tatiana Martins e Cristiane Sade. Teria sido gentil (2)...

Um ano depois do acidente, foi organizado um passeio em homenagem ao Eduardo. Eu fui vítima do acidente também, mas nem Brasília Harley-Davidson nem Hog Brasília Chapter me convidaram oficialmente. Teria sido gentil (3)... Ao que eu saiba, a família foi convidada informalmente. Obviamente não me senti à vontade para participar sem ser convidada formalmente, rendi minhas homenagens de outra forma e estive na missa mais tarde, onde encontrei apenas dois ou três Harleyros que vieram me dar um abraço.

O meu mandato como LOH Officer foi curto, mas me ensinou muitas coisas, boas e ruins. Boas: pude participar de eventos e passeios bacanas, contribuir para integrar pilotas e garupas, receber gente nova, ver garupas virarem pilotas, convencer mais gente a integrar o Hog (do qual sou Life Member desde aquela época), entre outros. Ruins: pude sentir na pele a inveja e a competição por parte de algumas pessoas que se revelaram falsas ao extremo e que posavam e posam de boazinhas, especialmente para quem está chegando agora. Gente que eu sei que tramava por trás e que depois que eu sofri o acidente veio querer estender a mão, sei lá, me usar para fazer média para os outros, para pagar de solidária. Para quê? Sentimento de culpa? Solidário e leal, ou a gente é sempre ou não é nunca. Lembro de ter mandado mensagem para três Ladies em especial na época, comentando sobre isso: por que querem me apoiar agora que estou machucada? Por que não me apoiaram antes, quando eu era Officer? Não estaria soando falso? Das três, uma nunca respondeu. As outras duas, responderam dando a entender que eu estava perturbada pelas sequelas do acidente, que sempre me apoiaram, imagina, loucura da minha cabeça... Ok, se apoiar é falar mal pelas costas ou marcar eventos paralelos aos da agenda oficial das Ladies, como aconteceu, o que dizer afinal? E foi assim, só para citar um exemplo, entre outros...

Parece exagero? Talvez, mas não para por aí... Tive que ouvir de algumas pessoas que eu estava fazendo drama, que estava de frescura, como se fosse coisa banal ser atropelada e sofrer um trauma que até hoje interfere na minha pilotagem, além de ver um dos meus melhores amigos dar os últimos suspiros antes da morte. 

E ouvir gente falando do Eduardo e sua grande amizade com ele, quando eu, na condição de confidente de muitas mesas de bar, sabia exatamente quem ele amava e quem ele odiava. Se tinha uma coisa que Eduardo e eu tínhamos em comum era a sinceridade. Ele também não sabia disfarçar quando não gostava de alguém e eu sei quem era quem para ele.

Nesse misto de experiências boas e ruins, dei um tempo. Mas eu não deixei de ser uma Lady of Harley. Eu não deixei de amar a marca ou a minha moto. Eu só ainda não consigo conviver com certas pessoas e situações. Talvez um dia tudo isso passe. Ou talvez não passe. Na verdade, um ano e meio depois, eu ainda precisava dizer algumas coisas. Então eis aqui meu depoimento.

Eu sigo rodando com minha Lady Brown, com Deus e com alguns bons e verdadeiros amigos e amigas com quem ainda convivo (de perto ou de longe) e que não preciso citar nomes, eles sabem quem são. São poucos, mas são especiais e de vez em quando a gente pega uma estrada juntos, sem competição, sem comparação, sem sorrisos amarelos nem tapinhas nas costas. 

Motociclismo sempre esteve, para mim, acima de vaidades. Amo Harley-Davidson, mas também tenho Honda, e ando com parceiros(as) de qualquer modelo ou cilindrada sem nenhum preconceito, apenas procuro estar com gente que saiba pilotar legal e domine bem sua moto. 

Aprendi que onde entram as “amizades” interesseiras e levianas, eu saio à francesa. Visito amigos de motoclubes e com eles renovo meus conceitos de irmandade e respeito. Do jeito que eu gosto, do jeito que era com o Eduardo, do jeito que tem que ser quando se tem amor verdadeiro ao motociclismo. Vida que segue, com meu amigo-irmão sempre no coração...


Tatiana Martins (22/11/17).

7 comentários:

  1. Experimenta o mundo big trail.

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  2. Força! O mundo é isso aí mesmo...

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  3. Motociclistas não morrem...

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  4. Força! O importante é estar sempre com amigos verdadeiros. Se determinado grupo de pessoas não te agrada, você não perde nada estando longe deles. Pegar estrada com pessoas que confia é muito mais agradável que com falsos ou desconhecidos. O importante é fazer o que lhe dá prazer e não apenas imagem. Ride safe and have fun

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  5. Tudo na vida serve como aprendizado. Admiro sua coragem em desabafar esses sentimentos, os quais conheço. Não por situação semelhante, mas por pessoas semelhantes. As decepções acontecem para justamente aprendermos a não ser e nem agir como tal ou tais. O mundo do motociclismo pra mim que esperei quase 30 anos pela minha moto dessa marca, a mesma que meu pai usou em 1949 numa ida ao Chile e que me encantou desde então. Curta e deixe essas coisas pra trás..na fogueira das vaidades...se queimam.um forte abraço

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  6. força! não passei por nada do gênero, espero não passar. de qualquer modo, o modo "lone wolf" ainda é o meu preferido por estas circunstâncias. sabemos que acreditar na solidariedade humana é algo decepcionante, enquanto encontrar solidariedade onde não esperamos é reconfortante. conto mais com a segunda alternativa.

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  7. Harleyros pra mim são uns entojados, com alguma exceções , é claro. Poderia ter a Harley que eu quisesse. Mas uma.coisa aprendi andando de moto. Os mais solidários são os motociclistas de baixa cilindrada. Por isso ando de Teneree 250. Tenho bons parceiros de viajem, assim como minha namorada anda é viaja em uma XRE. Já rodamos grande parte da América do sul e os únicos MC que nos acolheram onde passamos foram os mais humildes. Os meus amigos harleyros que me perdoem, mas falta muita humildade nos seus MC.

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